quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Tripas, e suor, e merda!

Há quem chame a isto livros, com romances lá dentro. Mas são apenas embondeiros imolados à pasta de papel, a fazer muita falta na paisagem. As 3 Vidas, de João Tordo, é um caso exemplar.
Ao longo de 300 páginas, um narrador de 1ª pessoa desfia à nossa frente uma história que nasce em Lisboa, mas tem o seu cerne na Quinta do Tempo, algures na charneca de Santiago do Cacém. É onde o rapaz achou um ganha-pão, a organizar ficheiros fabulosos, sobre os estranhos clientes dum misterioso patrão, cujos negócios nunca saem da penumbra. Alguns deles, dos clientes, acabam a despenhar-se em promontórios, sem que saibamos porquê. Vamos atrás de mistérios, conspirações, forças ocultas, cabalas, maquinações, mas os códigos não chegamos a sabê-los.
As personagens, adultos ou crianças, tecendo enigmas ou ensaiando jogos de funambulismo no arame, são espalmadas e chatas, sem substância real. Fazem lembrar os bonecos do futebol virtual. Mas um mergulho no passado do estranho patrão deste rapaz conduz-nos ao Porto, a Vigo, à Madrid da guerra civil, onde ele acaba nas unhas de dois agentes da polícia soviética dos anos 30, que lhe aplicam um soro da verdade com uma injecção atrás da orelha, para lhe lavarem o cérebro. É então que parte para Berlim, onde tomará lições de hipnose com sábios alemães, e fará o tirocínio da sua misteriosa actividade. Isto tudo em vésperas do acordo de não-beligerância, que o Molotov ensaiou com o barão von Ribbentrop.
Os fios da intriga conduzem-nos depois a Nova Iorque, a Seattle, e a Berlim mais uma vez. Mas o leitor, que já não levara a sério as personagens, também não acredita nos lugares. Nem nos tempos, nos muitos que aparecem. Uns e outros são aqueles, mas podiam ser diferentes. Apenas estão ali para definir calendário a uma narrativa sem substrato vital, porque toda é de plástico.
No dia 29 de Novembro de 1982, uma segunda-feira, a véspera da nossa partida, encomendei um jantar especial para mim e para o meu patrão, descendo até à Broadway para ir buscar galinha tailandesa a um restaurante oriental. (P.213) É claro que a partida não se vai verificar.
Este romance é aquela literatura de todas as latitudes. É um arado que, em lugar de lavrar, vai fazendo riscos pelo chão. Ou a mó andadeira de um moinho a fingir, que mói, mói, mói, mas não deita farinha. É igual em Portugal e no Japão, no Alasca e na Nova Zelândia, e modernamente também em Pequim. É um produto descartável para usar no longo curso, nas viagens às Caraíbas, nas gares de aeroportos, ou nas tardes de tédio à beira-mar. Lê-se, larga-se no balde misturado na areia, e nada fica.
É que isto da literatura, ao contrário do que dizem os publicistas de avença e alguns críticos da pós-modernidade, não vai lá com lições de escrita criativa. Exige tripas, e suor, e merda.