quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ecos da Sonora - XLVIII

A arte em geral (e a literatura em particular) tem uma função. E a função dela não é embrutecer-nos.
Este romance de Miguel Real tem lá dentro os conteúdos necessários para fazer dele uma obra de leitura obrigatória de todos os portugueses. Ou daqueles que ousam questionar a história, e os mitos todos que se escondem nela.
José Martins, degredado na armada do Gama, é o primeiro português a tocar solo indiano. Apaixona-se por Rhema, esquece a moura Rosa de Alfama, e morre em Goa, enfeitiçado pela Índia.
Augusto Martins é o único português a permanecer em Goa, depois da invasão da União Indiana em 1961. Apaixona-se por Rhema, esquece a Rosa que é mulher-a-dias, e morre em Goa, enfeitiçado pela Índia.
Luís Martins é o último português habitante de Goa, onde chegou em 1975, à procura do pai. Apaixona-se por Sumitha, filha de Rhema e sua meia-irmã, de quem nascerá Arun, que acaba desfeito em fumo.
E o Martins, que é o narrador, desfaz-se no nevoeiro, enfeitiçado pela Índia. Não sei o que fazer, perdi o último orgulho que me restava, o de ser o derradeiro português-português da Índia, não tenho forças para refazer a vida, penso sinceramente em suicidar-me, é possível que me suicide nos próximos dias, depois de alterar o testamento. (...)
Ao bisneto deixará ordem para que se chame Luís, o meu nome. Depois, será o grande silêncio, o puro sangue português e europeu de outras eras deixará de correr na Índia.
Não faltam, em 400 páginas, motivos de reflexão. Sobre quem somos, o que fomos, por onde andámos, e a fazer o quê. Mas esse salto não o dá o autor. Antes embrulha a narrativa num discurso de frase longa, longuíssima e despropositada, que torna a leitura penosa. A frase longa pode ser um recurso narrativo de grande significado. Mas dificilmente se encontra justificação e tolerância para uma construção em que as frases se alongam por seis, sete, oito páginas, antes que cheguem ao fim.
Quer formalmente, quer no que toca ao uso da volumosa matéria narrativa, O Feitiço da Índia (a que chega a chamar-se maldição) é uma bela oportunidade falhada. Para que se cumpra a tradição e o papel da maioria dos nossos intelectuais.