segunda-feira, 7 de março de 2016

Romance

Esta transcrição é a primeira abordagem a um romance que aí anda, Adeus África - A História do Soldado Esquecido, João Céu e Silva, ed. Guerra e Paz.
Do ponto de vista das artes literárias, a obra é melindrosa e susceptível; tem fragilidades e ganhos maiores. Havemos de lá voltar.
»(...) Foi como se um relâmpago me caísse sobre a cabeça. Vislumbrar o potencial das pinturas do Almada funcionaria como o rastilho para virar a opinião pública portuguesa contra a Guerra Colonial, tal como nessa época estava a acontecer nos Estados Unidos a propósito da guerra do Vietname. Na América, as reportagens mostravam como se dizimavam violentamente as populações que viviam nesses lugares de conflito e, ao mesmo tempo, mostrava-se o repatriamento maciço dos corpos de jovens soldados americanos mortos, que regressavam a casa dentro de sacos pretos. O que me chamou de imediato a atenção foi aqueles murais serem demasiado democráticos para a época, dir-se-ia mesmo tratar-se duma crítica explícita ao regime ditatorial de Salazar. Mais tarde vim a saber que só foram deixados nas paredes da gare porque, terminada a II Guerra Mundial, o Governo queria mostrar distância em relação ao fascismo que fora derrotado e acreditava que o painel poderia servir como exemplo de tolerância no que respeitava às mudanças políticas que o pós-guerra exigia às nações europeias. O Almada escolhe um tema que se encaixa bem numa gare marítima como aquela, o da emigração, e pinta um grito político bastante visível. Ainda por cima usou um estilo cubista para reafirmar uma contemporaneidade. Não sendo o registo polémico de um Guernica, serviu de forma muito eficiente o seu propósito e permitiu-lhe um salto na sua própria concepção de pintura. A vidinha de cá estava estagnada a todos os níveis, e, como não havia abertura ao mundo, só com o abandono do país os portugueses teriam direito a uma vida digna. (...) Entre os que ficavam em terra, existiam representações de várias profissões, tal como pescadores, varinas, casais e artistas de circo, que eu contraporia às profissões e artes dos africanos no Ultramar... Um paralelismo ideal!»
[Murais de Almada Negreiros, na gare marítima de Alcântara]