terça-feira, 4 de abril de 2017

Curva da chouriça

No tempo da guerra nada haveria em Lisboa, salvo as senhas de racionamento. Mas havia aqui na aldeia. E os senhores esperavam que os servos cumprissem o seu papel, era o que lhes competia.
El-rei tinha vindo a Trancoso há muitos anos, a inaugurar a estação de comboio de Vila Franca na linha da Beira Alta. E era ele que levava para Lisboa, despachados ao domicílio, os cestões vindimos recheados de frutas, de fumeiros, e dos queijos das ovelhas dos numerosos rebanhos. Tudo fechado com serapilheira cosida à sovela na boca do cesto.
A estação ficava a 30 quilómetros. E um carro de bois carregado demorava no trajecto uma meia dúzia de horas.
Nessa noite de Fevereiro o carro saiu às 3 da madrugada, e já levava no cimo a lenha necessária para acender uma fogueira no caminho. O frio era tanto, nessa noite, que as pobres das vacas tinham, pendurados no focinho, fusos de gelo. E quando chegaram à curva da chouriça, já à vista da estação, o meu pai mais o criado quiseram fazer uma fogueira e aquecer-se. Mas as mãos estavam tão frias que se recusavam a acender os fósforos.
Valeu-lhes um cristão que vinha a subir a ladeira para os lados do Feital. Foi assim que se aqueceram e retomaram a marcha. Só do sabor das morcelas é que não ficou sinal.