sábado, 22 de abril de 2017

Farsantes eruditos

Em tempos, o mestre encartado Pedro Eiras desceu da faculdade de Letras do Porto para palestrar na BMEL. E apresentou uma publicação que perora sobre a sua descoberta das cartas de Pessoa a Mário de Sá-Carneiro, suicidado em Paris em 1915.
De facto são conhecidas as cartas que ele enviou ao Pessoa, como colaborador do Orpheu. Mas as respostas do aprendiz ao mestre ter-se-ão perdido num hotel, onde até as contas ficaram por pagar.
Diz ele que as ditas cartas ficaram numa mala que ele, mestre, acabou por achar. E publicou-as num livrinho a que a Assírio & Alvim chamou um figo. O leitor confiante que se cuide, ou que se foda! Não sei o que é que o mestre Eiras ensina aos seus mestrandos de Bolonha, que por aí pululam a fazer figuras tristes e a praxar os caloiros. Muito suspeito que isto anda tudo ligado! 
Demos a palavra ao farsante-mor:
"Em 1995, numa ida a Paris, decidi procurar o antigo Hotel de Nice, onde Mário de Sá-Carneiro viveu os últimos meses e se suicidou. O hotel fica em Pigalle, bairro vermelho da cidade, cheio de cinemas pornográficos e espectáculos para adultos, com os empregados à porta a tentarem aliciar os casais, entre néons. Descobri o prédio numa rua mais tranquila, atrás das avenidas. Na fachada, uma placa lembrava que ali tinha vivido le poète portugais Mário de Sá-Carneiro; na recepção, sobre uma mesa, havia um exemplar da fotobiografia do autor, publicada por Marina Tavares Dias em 1988. Inteiramente remodelado, o pequeno hotel - agora Hôtel des Artistes - não podia ter mais interesse para mim. Nada restava de Sá-Carneiro neste bairro falsamente alegre. Abandonei Pigalle com alguma amargura.
Em Outubro de 2015 desloquei-me a Paris para participar num colóquio. Cheguei alguns dias antes e, neste ano marcado pelo centenário da revista Orpheu, tive curiosidade de ver como estaria o Hôtel des Artistes. Saí do metro em Pigalle. Revi a placa na fachada. Entrei, já não avistei a Fotobiografia. O empregado do hotel perguntou-me se eu vinha reservar um quarto. Expliquei o que me levava ali. O empregado achou muito curioso eu interessar-me tanto pelo poète portugais; contou-me que, durante as últimas obras do hotel, tinham encontrado nas águas-furtadas uns papéis que eram peut-être dessa altura, escritos numa língua que ele não percebia, e perguntou-me se os queria ver. Eu disse que sim.
(...) assim também me esperavam, pousadas sobre uma arca antiga na arrecadação do hotel, amarradas por um cordel, amarelecidas pela humidade e pelo tempo, as cartas que Fernando Pessoa escreveu a Mário de Sá-Carneiro entre Julho de 1915 e Abril de 1916.(...)
Mário de Sá-Carneiro suicida-se a 26 de Abril de 1916, tomando vários frascos de arseniato de estricnina. Uma enigmática relação amorosa, a falta de dinheiro (apesar da mensalidade que o pai regularmente lhe enviava de Moçambique) e um insistente fascínio pela ideia do suicídio já tinham levado Sá-Carneiro a planear matar-se no início desse mês. Quando morre, deixa uma dívida no Hôtel de Nice, onde residia. (...)
Admito que é absolutamente inverosímil as cartas de Pessoa estarem pousadas sobre uma arca naquela arrecadação, naquele início duma tarde de Outubro de 2015, no dia em que, por acaso, decidi passar pelo Hôtel des Artistes. Porém, contra toda a inverosimilhança, assim foi. (...)"