quarta-feira, 26 de abril de 2017

O dia em que nos fomos aos morangos, na quintinha do Rossio ao Sul do Tejo!

O Dornier (DO-27) era uma maravilha da aerodinâmica alemã. O trem era de roda de cauda, com duas pernas à frente (e duas variantes em largura e altura). Manobrá-lo no chão era exercício delicado, sempre a dois passos do cavalo-de-pau.
A asa alta adaptava a superfície alar mediante as várias posições dos flaps, controladas por uma alavanca vertical no centro do cockpit. Porém isso permitia-lhe aterrar e descolar, nas pistas improvisadas do mato, em distâncias inacreditavelmente curtas.
O pior eram os motores de pistões, da BMW e mais tarde da Piaggio. Os engenheiros nunca conseguiram resolver os problemas de arrefecimento a ar. E falava-se de inúmeros casos de aviões plantados nas picadas do sertão. Mas eles eram uma peça fundamental nos transportes ligeiros e nas evacuações das tropas no mato.
Em 1970 eu dava instrução em Tancos (em T6-G, em DO-27 e em Auster) a jovens pilotos milicianos que passavam por ali com formação básica em T-6, antes de irem para África cumprir uma comissão. Partíamos da BA3 e íamos à Comenda treinar aterragens em pista de terra, numa herdade do Pequito Rebelo. Esse figurão franquista achava que o Auster inglês, esse trambolho, é que ia ganhar as guerras de África, montado nas OGMA de Alverca. E a verdade é que, se não as ganhou, também as não perdeu. Mas voltemos à Comenda.
No caminho para o Gavião aproveitámos para treinar emergências de motor, com simulacros de aterragem forçada. A dada altura o hélice parou, e não respondia às tentativas de arranque. Eu apoderei-me dos comandos e procurámos um quintal onde aterrar, entre cepas de vinhas, campos de sobreiros e um pinhal. Lá no meio havia um quintalito, onde parecia possível aterrar a passarola sem danos de maior. E nós lá fomos, planando e descendo, tenteando.
Aproximei-me da final por cima do pinhal, e o quintalinho era em ligeiro declive de que só tarde me dei conta. E o mais grave é que o pinhal tinha 15 metros de altura. Meti-lhe o pé, glissei que nem um cão, mas o ladrão era uma maravilha aerodinâmica e não queria vir para o chão. Lá ao fundo esperavam-nos uns sobreiros seculares.
Meio quintal estava andado e eu não queria lá chegar. Era o momento dos grandes remédios para males enormes! Pranchei a 60 graus, enterrei no chão a ponta duma asa e a perna do mesmo lado a lavrarem o solo. O DO-27 só podia fazer o que fez. Em 20 metros dobrou-se ao meio, partiu os arados das pontas e parou antes dos sobreiros, sem violentar o nariz. Havia histórias de choques frontais em que os apoios do motor cediam e prendiam pelas pernas os tristes aviadores que acabavam assados em labaredas.
Este parou deitado de lado, saímos os três por cima, e fomos dar a uma quintinha onde uns velhotes condoídos nos ofereceram morangos. Havia um telefone dos antigos, e o comandante da base só lamentou que assim tivéssemos perdido o troféu de segurança de voo. Mas nós ficámos consoladinhos com os moranguitos da horta.
Mais tarde os engenheiros de Alverca foram lá num camião buscar o machacaz. Montaram-no numa banca, puseram o motor em marcha, e ele cantou que parecia um tenor. Grande cabrão!